23/09/2013 - “O Brasil também quer ser um provedor de paz”, diz ministro Amorim em palestra no Instituto Rio Branco


Brasília, 20/09/2013 - Um país provedor de paz. Assim avaliou o ministro da Defesa, Celso Amorim, sobre a condição do Brasil no cenário internacional. Em palestra para alunos do Instituto Rio Branco – que forma a diplomacia brasileira – o ministro Amorim explicou que “isso significa que o Brasil deseja contribuir para que a ordem internacional evolua em um sentido que seja favorável à paz”. O ministro fechou o módulo de defesa que levou, nas últimas semanas, ao Rio Branco, representantes do Ministério da Defesa, da indústria de produtos de defesa e da academia.
“Política externa e política de defesa se complementam nessa tarefa, tanto em nosso entorno regional, como no sistema internacional. Podemos analisar as linhas de força da segurança internacional do mundo contemporâneo em função de três dicotomias: entre unipolaridade e multipolaridade, entre unilateralismo e multilateralismo e entre cooperação e conflito”, contou.
Durante pouco mais de uma hora, o ministro fez uma narrativa levando em consideração os cenários nacionais e internacionais, tanto no contexto da defesa quanto das relações exteriores. A palestra foi concluída com um bloco de perguntas dos alunos do Rio Branco. A seguir os principais trechos da palestra do ministro:
O Brasil no mundo

“Embora eu tenha a pretensão de que minha visão sobre o papel do Brasil no mundo não tenha mudado, o trato diário com assuntos da área da Defesa acrescenta alguns aspectos valiosos à reflexão sobre nossa inserção internacional. Nos dois anos desde que fui chamado a assumir o Ministério da Defesa, tenho recorrido a um conceito que aproxima a reflexão sobre a política externa à reflexão sobre a política de defesa: o conceito de Grande Estratégia. Esse conceito referia-se, originalmente, ao reforço da ação militar durante uma guerra por instrumentos econômicos ou políticos. Mas a Grande Estratégia também pode ser compreendida como a coordenação das ações do Estado com vistas ao reforço da paz. Temos o enorme benefício de viver em paz com os vizinhos e com os demais países em um mundo turbulento.”
Unipolaridade e multipolaridade

“Começo com a dicotomia entre unipolaridade e multipolaridade. O fim da Guerra Fria reconfigurou a relação de forças no tabuleiro global, centrada em um polo de poder claramente dominante. Prevaleceu, à época, a ideia de uma “unipolaridade benigna”: sob inspiração da superpotência, os demais países privilegiariam as relações de cooperação, e os grandes conflitos entre Estados tenderiam a desaparecer. A imensa disparidade de recursos econômicos, políticos e militares entre a superpotência e os demais países não era vista como uma fonte de instabilidade, como seria natural sob parâmetros tradicionais, mas, pelo contrário, como fonte de estabilidade no sistema internacional. A ideia de que a primazia absoluta de um Estado no sistema internacional geraria segurança, e não insegurança, era contrária à longa linhagem de pensamento realista nas Relações Internacionais. A partir do 11 de Setembro, a superpotência adotou uma concepção estratégica ofensiva, que partia de um entendimento estendido da autodefesa e avançava no terreno da “prevenção” a qualquer ameaça. A invasão do Iraque sem respeito às normas multilaterais das Nações Unidas foi uma expressão militar da unipolaridade. Em vez de uma “unipolaridade benigna”, assistíamos às consequências funestas de um “desequilíbrio unipolar”.”

Novos polos de poder
“O surgimento de novos polos de poder passou a ser visto por muitos como um fato positivo. A multipolaridade tende a favorecer um sistema em que os atores têm mais oportunidade para agir, mas não é, por si só, uma garantia da integridade do sistema internacional. Essa garantia apenas podia vir do multilateralismo, isto é, era preciso que a multipolaridade tivesse o sustentáculo político-jurídico do multilateralismo. No plano regional, a percepção de que vivemos em um mundo de blocos levou o Brasil e outros vizinhos a buscar fortalecer a América do Sul como entidade político-econômica.”

Integração sul-americana

“O avanço da integração sul-americana, simbolizado pela UNASUL, foi um importante passo nessa direção. Por outro lado, foi possível evitar que prevalecesse, em nossa região, um projeto de natureza hegemônica, limitador de nosso modelo de desenvolvimento (a ALCA). Na Organização Mundial do Comércio, os países emergentes reunidos no G20 Comercial, com forte participação de países sul-americanos, evitaram, na reunião de Cancún, um acordo amplamente desfavorável na Rodada Doha. O importante a destacar aqui é que uma nova correlação de forças foi estabelecida nas negociações comerciais. Sem querer exagerar, um certo grau de multipolaridade, tendo países em desenvolvimento como polos, passou a prevalecer na OMC. Embora não tenhamos chegado a um acordo até hoje, estou seguro de que, quando o fizermos, ele será muito mais equilibrado, para o bem dos países em desenvolvimento.”

Avanços na área financeira
“Na área financeira, alguns avanços foram possíveis. Quando, após uma conferência em Paris na Sciences Po, eu disse que o G8 havia morrido, minha afirmação foi recebida com ironia por uns e com críticas furiosas por outros. Entretanto, os próprios líderes ocidentais, inclusive o presidente da maior potência, reconheceram o novo estado de coisas quando o G20 Financeiro substituiu o G8 como o principal fórum de discussões sobre a economia global. Num plano mais geral, a ascensão de grupos como o IBAS e o BRICS aprofundou a tendência à formação de novos centros de poder.”

Segunda dicotomia
“A segunda dicotomia a que quero me referir é entre multilateralismo e unilateralismo. O que eu vou dizer agora talvez seja redundante para esta plateia. Mas arrisco-me a fazê-lo, devido à falta de compreensão com que o assunto é tratado na mídia e mesmo por especialistas. Multipolaridade e multilateralismo não devem ser confundidos: a multipolaridade é um conceito descritivo, e o multilateralismo é um conceito prescritivo.  O primeiro refere-se a fatos, o segundo a valores. Um texto clássico sobre o multilateralismo é o artigo de John Ruggie, ex-assessor de Kofi Annan, que explicava que: “O traço definidor do multilateralismo não apenas que ele coordene as políticas nacionais entre grupos de três ou mais Estados, (...) mas adicionalmente que ele o faça com base em certos princípios de ordenamento das relações entre os Estados”. Após o fim da Guerra Fria, a unipolaridade conviveu com certa dose de multilateralismo. Isso não deixa de encerrar um paradoxo, pois, intuitivamente, a unipolaridade ensejaria o unilateralismo.”


Agenda para a Paz

“A Agenda para a Paz, documento proposto pelo Secretário-Geral Boutros Boutros Ghali em 1992, refletia a dimensão onusiana dessa estratégia. O fato de que a Agenda para a Paz, que tratava de temas de segurança, tenha ganhado muito mais destaque do que a Agenda para o Desenvolvimento, reflete, entre outras coisas, a impregnação do “multilateralismo afirmativo” pelas prioridades da superpotência. Outro documento da ONU que traduzia esse tipo de visão foi o que se intitulou Novas Dimensões do Desarmamento, em que o foco era desviado dos grandes temas do desarmamento global para questões relacionadas com a não-proliferação e conflitos regionais.”

Conferência do Desarmamento 

“Submetido à Conferência do Desarmamento, o documento viria a sofrer fortes críticas. A preferência da superpotência pelo multilateralismo – afirmativo ou não – não durou muito tempo. Alguns países começaram a afirmar suas posições com maior independência, sobretudo os membros permanentes do Conselho de Segurança. O endosso multilateral a posições da superpotência foi se tornando menos automático, o que ensejou, da parte desta, a crescente tentação de agir unilateralmente.”

O fim da Guerra Fria

“A terceira dicotomia que gostaria de dimensionar é entre cooperação e conflito. O fim daGuerra Fria suscitou muitas teses que previam a superação do conflito entre Estados. Já mencionei a ideia da “unipolaridade benigna”. Talvez a tese mais representativa das pretensões daquele período tenha sido a de Francis Fukuyama, sobre o “fim da História”. Segundo essa visão, o fim da Guerra Fria havia significado a vitória definitiva da democracia liberal e da economia de mercado como forma de organização social dos Estados nação e do sistema internacional como um todo. Esse modelo único de organização político-econômica tenderia a difundir-se do chamado Primeiro Mundo ao restante da humanidade. Com o fim do conflito ideológico e a identidade entre as democracias de mercado, um retorno à competição crua de poder era dado como improvável ou mesmo impossível.”

Guerra cibernética“Outra fonte de instabilidade no sistema internacional tem sido o desenvolvimento de novos tipos de armas, que também podem ter efeitos de destruição em massa. Penso em uma ameaça que é cronologicamente nova, mas que se inscreve cada vez mais na antiga lógica do sistema de Estados: a guerra cibernética. Há hoje uma escalada dos investimentos das principais potências em armamentos cibernéticos. Muitas delas não fazem segredo da destinação ofensiva dessas armas. Ao mesmo tempo, a vulnerabilidade parece ser um traço comum a todos os países. Recordo que o ex-Secretário de Defesa dos Estados Unidos, Leon Panetta, falou na possibilidade de um “Pearl Harbor cibernético”. Ainda há, no domínio da guerra cibernética, muitas incógnitas e incertezas. As fronteiras entre a guerra cibernética e as atividades de monitoramento de dados não são claramente demarcadas.”

País pacífico e país indefeso

“País pacífico não é sinônimo de país indefeso. O complemento de uma política externa pacífica é uma política de defesa robusta. Nossa política de defesa baseia-se em duas estratégias: a da dissuasão e a da cooperação. A dissuasão diz respeito à capacidade militar de impor custos a eventuais adversários, de modo a desestimulá-los a desfechar qualquer ato hostil. Maquiavel já percebera isso nos Discursos sobre a Década de Tito Lívio, quando advertiu que “se tu, tão logo descubras a vontade do adversário, preparares tuas forças, ainda que estas sejam inferiores às dele, ele começará a respeitar-te”. O Brasil não tem inimigos, mas não pode descartar a hipótese de ser envolvido (ainda que à sua revelia) em disputas militares, seja para defender-se de uma ação que tenha por alvo seus recursos, seja em função de conflitos entre terceiros, que venham a afetá-lo.”

Documentos da Defesa

“Nas palavras da Política Nacional de Defesa, que acaba de ser aprovada – junto à Estratégia Nacional de Defesa e ao Livro Branco de Defesa Nacional – no Congresso Nacional. “é imprudente imaginar que um país com o potencial do Brasil não enfrente antagonismos ao perseguir seus legítimos interesses”. A posse de adequadas capacidades dissuasórias, longe de ser uma ameaça, é uma das formas pelas quais o Brasil pode concretizar sua vocação de “provedor de paz”: um país pronto para se defender desincentiva aventuras militares de outros contra seus interesses, seu território ou sua população. A cooperação é a outra estratégia que nos permite prover paz a um mundo tão turbulento. O espaço privilegiado da cooperação é o entorno estratégico do Brasil, conformado pela América do Sul, de um lado, e pelo Atlântico Sul e pela orla ocidental da África, por outro.”

América do Sul

“Uma América do Sul próspera, pacífica e integrada será um dos polos do mundo multipolar. Do ponto de vista da defesa, nosso objetivo é que ela seja uma zona de paz em que a guerra se torne um expediente impensável. Atingiremos essa meta pela construção de confiança entre nossas forças armadas, por políticas de transparência e por uma concentração permanente de nossas atividades de defesa. Na América do Sul, a cooperação é a melhor dissuasão. Temos fortalecido tanto a cooperação bilateral quanto a cooperação multilateral, pelo Conselho de Defesa Sul-americano da UNASUL. No Atlântico Sul, nosso principal objetivo é trabalhar por um espaço pacífico e aberto à cooperação.”

Zopacas

“A ZOPACAS, Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul, é o principal fórum multilateral desse esforço. A ZOPACAS foi reativada com uma reunião ministerial em Montevidéu em janeiro deste ano. A agenda que temos em comum com nossos parceiros na outra margem do oceano é extensa e se expressa também em um número crescente de ações bilaterais na área de defesa. Destacaria, a título de exemplo, a bem sucedida cooperação com a Namíbia, cuja Marinha tem sido formada com apoio da Marinha do Brasil. Recentemente, Brasil e Angola decidiram estender sua cooperação estratégica à área de defesa, inclusive com projetos na área industrial. Uma missão naval está sendo estabelecida em Cabo Verde, com vistas a fortalecer a guarda costeira daquele país. Temos cooperado também com São Tomé e Príncipe. Aviões brasileiros têm sido adquiridos por vários países africanos, como Burkina Faso, Mauritânia e Senegal. O Brasil também tem procurado participar, por diversas formas, das iniciativas voltadas para a segurança do Golfo da Guiné. No âmbito do IBAS, menciono as manobras navais conhecidas como IBSAMAR. Nossa participação em operações de manutenção da paz da ONU é talvez a forma mais visível em que o Brasil provê paz. Estamos hoje no Haiti e no Líbano, exercendo destacadas responsabilidades. Um general brasileiro comanda a MONUSCO, a missão de paz na República Democrática do Congo.”

Política externa e defesa

“Comecei esta palestra falando da Grande Estratégia, que reúne política externa e defesa. Concluo com uma brevíssima reflexão sobre como a Grande Estratégia pode ser levada a um novo “teatro de operações”, criado pela cibernética. Temos que desenvolver capacidades dissuasórias cibernéticas. É o que estamos tratando de fazer, a despeito das conhecidas limitações orçamentárias. A cibernética, aliás, é assinalada como uma das três áreas prioritárias na Estratégia Nacional de Defesa. Mas também a política externa poderá ter importante papel nessa área. Não me refiro, aqui, aos esforços que já estão sendo desenvolvidos com vistas a normatizar e limitar o monitoramento de dados. Pensando na eventualidade de ataques cibernéticos de uma nação contra outra, ocorre-me que um tratado internacional que proscrevesse o “primeiro uso” dessas armas, ou seja, um no firstuse cibernético, poderia quiçá contribuir para a segurança internacional. E o faria sem consolidar desequilíbrios ou assimetrias, diferentemente do TNP. Nesta, como em outras áreas, a política externa e a política de defesa têm um nexo evidente, e devem estar pautadas por uma Grande Estratégia de prover a paz.”
Fotos: Tereza Sobreira
Assessoria de Comunicação Social (Ascom)
FONTE: Ministério da Defesa

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